1. Ao longo dos seus 41 anos de carreira, quais os momentos mais marcantes?
Numa carreira que para mim foi toda ela marcante, é difícil destacar momentos, mas saliento alguns:
A entrada na Carreira era um objetivo, uma aspiração, uma vocação. Ter tido êxito no concurso foi uma grande satisfação.
25 de Abril. A mudança de uma diplomacia sobretudo defensiva e cada vez mais fechada ao mundo - o que explica, por exemplo, que no meu primeiro posto, em Kinshasa, estivesse oficialmente integrado na Embaixada de Espanha - para uma dinâmica de abertura ao mundo. Portugal tornou-se então novidade, com a sua política assente no programa dos «3 D» - democracia, desenvolvimento e descolonização.
Angola e Moçambique. A participação nas negociações, acompanhando Durão Barroso. O regresso a África no bom sentido. Foi o reencontro com países que nos eram e são extremamente próximos, com a capacidade de mediar acordos de paz, nomeadamente em Angola.
Diretor-geral de Política Externa. Coincidiu com as novas responsabilidades do cargo e com a entrada em vigor de Maastricht. O que isso implicou em termos de trabalho altamente estimulante.
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Estar dois anos no Conselho de Segurança e exercer duas vezes a sua presidência permitiu medir quanto um país como Portugal pode ter um papel positivo e influente a nível internacional. Muito ligada a este mandato esteve a saga de Timor. Um processo em várias etapas em que Portugal conseguiu juntar aos princípios uma singular solidariedade a favor de um país e de um povo com os quais nos unem laços únicos de amizade.
Paris. E, claro, como tudo na vida, o ocaso, o fim, o fechar do ciclo. Em Paris foi importante para mim comprovar na prática a noção de que onde há portugueses há Portugal.... Digo-o como uma homenagem, através da Comunidade Portuguesa em França, a todas as comunidades portuguesas no mundo.
2. Viveu mudanças substanciais na carreira diplomática, desde o seu ingressou, em 1968, até à atualidade. Quais os maiores desafios que perspetiva para a carreira diplomática?
A carreira diplomática tem um desafio, que é fundamental - ser capaz de responder eficazmente à relevância que o setor diplomático tem hoje nos destinos do mundo.
Longe do declínio que muitos anteviam para a Carreira, a globalização impõem-nos desafios para os quais os diplomatas estão especialmente bem preparados para responder. Mais do que nunca, a preparação internacional e a visão aberta que a Carreira proporciona, dá-nos uma relevante capacidade de resposta.
À visão político-diplomática própria e tradicional de um diplomata impõem-se uma adaptabilidade muito rápida aos lugares e aos locais onde desempenhamos funções. Por isso, se há carreira onde a formação profissional contínua é fundamental, é esta.
3. Que sugestões daria à Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses para que melhor possa servir os seus associados?
Num Corpo como o nosso, disperso, é essencial que a Associação transmita a ideia de ser um elemento de unidade. Não tanto para defender interesses corporativos, mas sobretudo para garantir que os seus associados, os diplomatas, dispõem dos meios adequados para atingir os objetivos definidos. Só assim se podem exigir responsabilidades aos diplomatas.
4. De que forma é que ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas influenciou ou mudou a sua visão da diplomacia portuguesa e da carreira diplomática?
Não mudou a minha visão da diplomacia. Reforçou a minha convicção na relevância da Carreira e na ideia de que só é possível conduzir uma política externa eficaz se valorizarmos concretamente os recursos de que dispomos, nomeadamente os humanos.
5. Que análise faz da relação entre os objetivos da política externa portuguesa e os meios ao dispor da nossa diplomacia?
Uma análise mista. Muitas vezes há disparidade entre os objetivos e meios e isso tem que ser minimizado. Os objetivos têm que ser definidos com total clareza, tendo em conta os meios disponíveis.
Quanto aos recursos humanos, a Carreira só funciona se for regularmente rejuvenescida e se adaptar aos novos desafios. Por exemplo, agora são necessários mais economistas e pessoas que falem outras línguas para além das tradicionais. Acresce que temos que dar lugar ao mérito, à competitividade e à capacidade de trabalho. Acabar com o primado da regra da antiguidade e recompensar os resultados obtidos.
6. Para um país com a História, vastidão de interesses, dimensão e recursos de Portugal, quão importante é o consenso político sobre os eixos fundamentais e a continuidade na execução, para a eficácia e credibilidade da nossa política externa? Acha que existe o risco de politização da carreira diplomática portuguesa, tal como sucede noutros países?
O consenso político e a continuidade são muito importantes! Constituem fatores fortes de Portugal. Daí ser muito importante a interrelação do Ministério e da Carreira com a Assembleia da República, os Deputados e os Eurodeputados. É bom que haja uma discussão ampla e transparente entre o Governo e as outras forças políticas quanto aos objetivos e execução da política externa.
Creio que temos uma tradição de não politização, que se deve manter. A Carreira ganha com a não politização. No entanto, cada um tem o direito de expressar as suas convicções. Não são coisas incompatíveis. A opção de cada um não pode pôr em causa as suas obrigações como diplomata. Também as opções do poder político devem ter em conta a competência de cada um e não o favorecimento político-partidário.
7. Que conselhos daria a um jovem diplomata português?
Só vale a pena ser diplomata se se acredita que o serviço público implícito - o fundamento da carreira - é um fator de valorização pessoal permanente orientado para a prossecução de interesses nacionais. Nunca esquecendo que a ordem internacional em que nos inserimos nos obriga a olhar e a procurar entender os pontos de vista dos outros.
8. Depois de uma carreira tão cheia e diversificada, que planos futuros?
Apenas um - ser útil. O que implica uma permanente atualização de conhecimentos.
Perguntas por: Pedro Pinto
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